Em meio a um vasto deserto, situado no panorama que só podia ser descrito como o fim do mundo, havia uma cidade incrustada entre enormes dunas. Os prédios, parcialmente soterrados, ainda possuíam a autonomia sustentável da qual seus engenheiros se gabaram tanto. Lá foi o local onde o prazer e luxo estavam garantidos para quem estivesse disposto a pagar grandes quantias, um lugar que prometia ser um pedaço do paraíso na terra. Naquele momento, porém, em meio as ruínas de prédios vazios, apenas um homem, talvez o único ser vivo no planeta, habitava aquelas luxuosas torres.
Com o rosto ainda esmagado pelos travesseiros com fronhas de seda, recheado por leves plumas brancas e macias, o solitário homem se revirava pela cama king size pensado em como ocuparia mais um dia naquele reino paradisíaco. Ele se arrastou pelo enorme colchão, levando consigo os finos lençóis, até a cabeceira para pegar o controle que abria as cortinas. A luz invadiu o quarto e refletiu o dourado das areias banhadas pelo sol da manhã. A cidade inteira reluzia um brilho único, era como se o próprio rei Midas tivesse tocado cada centímetro daquele cenário que juntava a grandiosidade da capacidade humana com o resultado do seu poder bélico. Com o controle ainda em mãos, o homem apertou um botão para acionar as articulações mecânicas que posicionavam uma TV enorme na beira da cama. No entanto, igual a todos os outros dias, a tela apena exibia a mensagem “NO SIGNAL”.
Ao se levantar, o homem sentia a dor na perna provocado por um acidente sofrido há alguns dias. Apesar de estar num lugar paradisíaco, com água encanada, muita comida e tudo do bom e do melhor que a tecnologia podia prover, a dor o fazia lembrar da real situação em que ele se encontrava.
Tudo foi repentino e o inchaço no seu joelho o fazia reviver aqueles momentos de pânico. Os sites de notícias falaram sobre crises ao redor do mundo, mas o homem só deu atenção aos fatos quando as bombas começaram a cair. Em meio ao caos, ele apenas seguiu as instruções passadas pelos noticiários, deixou todos os seus pertences para trás e seguiu com a multidão infernal até o aeroporto. Ele se manteve alheio a tudo o que estava acontecendo e que os supostos conflitos irracionais que tomaram o mundo, não passava de sensacionalismo ou fake news, ao menos foi o que ele imaginou.
Ao embarcar no avião, o homem tentou conseguir alguma informação com os outros passageiros, mas as respostas foram choros, gritos e murmúrios desconexos. Sua ignorância ao ocorrido só se comparava a sua sorte, pois conseguiu embarcar em uma das poucas aeronaves que decolaram naquele dia. Porém, nada o preparou para o acidente que se seguiu.
O avião se espatifou nas areias de algum deserto. Mais uma vez a sorte sorria para ele, pois conseguiu sobreviver com apenas um ferimento, aparentemente leve, na perna. Outras pessoas presas nas ferragens do avião gritavam por ajuda. O homem até tentou ajudá-las, mas não tinha força para levantar os destroços. Em meio ao desespero, ele resolveu buscar por ajuda e saiu mancando na direção de uma grande duna. Lá de cima ele avistou o que parecia ser uma cidade, mas antes mesmo que um sorriso se formasse em seu rosto, a explosão do avião o arremessou duna abaixo.
As reflexões do homem sobre os fatos eram rasas, como sempre e por mais que estivesse no melhor dos lugares e com recursos de sobras, ele ainda tinha a esperança de ser resgatado daquela solidão. Após fazer uma compressa na perna dolorida, ele saiu do hotel para buscar mais recursos e para explorar aquelas ruínas modernas.
O silêncio daquele túmulo paradisíaco só era quebrado pela suave brisa, o som dos potentes geradores de energia e dos passos arrastados empurrando areia. Alguns dos prédios soterrados só podiam ser acessados pela claraboia onde os bancos de areia formava uma rampa. Era fácil escorregar para dentro dos supermercados para pegar um pouco de comida, mas era extremante doloroso para o homem escalar aquelas areias que eram tão finas que parecia água.
Naquele dia, o homem encontrou um museu de arte. Ele nunca foi um admirador de pinturas e esculturas, mas dada a sua atual situação ele resolver dar uma oportunidade para aquelas obras que talvez nunca sejam apreciadas novamente. Ele escorregou pela areia através das enormes colunas da entrada que por sorte não bloquearam totalmente a fachada do prédio.
Aquele lugar era lindo e cheio de obras fantásticas que ele nunca viu na vida. Todo ambiente transmitia uma serenidade espectral, havia algo no ar que ele não sabia explicar, mas que o enchia de inspiração. Ele conjecturou que se tivesse dado mais atenção a todo aquele mundo artístico, sua vida seria totalmente diferente.
Ele se sentou em um banco e perdeu a noção do tempo admirando um único quadro. Era uma cena conhecida da manjedoura, mas irradiava um brilho dourado que iluminava todos na pintura e de certa forma aquela luz lembrava o tom da areia iluminada pelo sol.
Depois de horas olhando o quadro, ele resolveu partir, porém, a sua perna que estava piorando a cada dia finalmente chegou ao ápice do ferimento maltratado provocado pelo acidente de avião. A saída do museu estava muito distante e o menor movimento que o homem fazia provocava uma dor insuportável. Ele ficou ali sentado pensado por muito tempo como poderá sair de lá e se saísse como faria para tratar a perna feriada. Foi então que ele abriu um sorriso em vida para o quadro na sua frente, pois percebeu que a maior inspiração que havia recebido era inútil para salvar sua vida.
Fim.