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Acordos e Desejos | Parte 2

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A Sala

O detetive Ricardo Martins servia-se de mais um copo descartável de café na cozinha da delegacia. A bebida, ainda muito quente, lhe descia pela garganta e esquentava seu corpo naquela noite fria e chuvosa.

Ricardo andava de um lado para o outro pensando nos seus casos em aberto e no pensamento que teve há alguns minutos, uma ideia que o encorajava a continuar o seu trabalho. Porém, o tempo que dedicou buscando as informações para pôr seu plano em ação foi interrompido por um raio que cortou a energia da delegacia. Mesmo com o gerador em funcionamento, o provedor de internet estava com algum problema, era lamentável depender de uma ferramenta tão útil e, ao mesmo tempo frágil.

Apesar da situação infortuna, Ricardo sorria sozinho, estava orgulhoso por pensar em uma conexão para suas investigações, no fundo, ele sempre soube que essas investigações tinham mais segredos do que aparentava. Tratava-se de três casos que terminaram em circunstâncias estranhas. O primeiro era uma denúncia de corrupção, o segundo era a respeito uma investigação sobre tráfico de drogas e por fim o desaparecimento de um informante.

Ricardo mal podia esperar para continuar com sua pesquisa, mas pelo andar da carruagem, o problema da falta de energia e a manutenção da rede da delegacia não seriam resolvidos tão cedo. O detetive pensou em usar o 4g do celular, mas considerando a sua operadora mais a tempestade, não havia como ter uma conexão descente. Sem opções, só restava para Ricardo pegar as pastas dos casos e rever os arquivos na sala de interrogatório.

Aquele era o lugar favorito de detetive, mesmo que não houvesse ninguém do outro lado do espelho falso, Ricardo sentia-se no poder, como um predador que não baixava a guarda, um observador que não se expõe. Ele estava ansioso para consultar as informações que poderiam fechar aquela investigação.

O detetive jogou as pastas dos três casos em cima da mesa, trancou a porta e pegou um pouco de água para limpar o gosto melado de tanto açúcar que havia colocado no café. Com a garganta limpa, o detetive reclinou-se na cadeira e pegou a primeira pasta rotulada “o Coruja”.

Seu verdadeiro nome era Fernando Carlos Ribeiro e foi um grande informante que ajudou pessoalmente o detetive e, apesar do indivíduo ter comprometido algumas investigações deixando certas informações vazarem para o jornal local, o Coruja ainda tinha certos privilégios com Ricardo.

Há cerca de 10 meses, Fernando Carlos Ribeiro foi dado como desaparecido, alguns pensaram que ele foi assassinado, mas por falta de evidências, os investigadores chagaram a conclusão que ele havia fugido. Era a única explicação, considerando a última atuação do Coruja ao investigar um poderoso e influente advogado, suspeito de um esquema de corrupção.

Leandro Sampaio, o advogado corrupto, era o assunto da segunda pasta do detetive Ricardo. Esse advogado estava envolvido com muita coisa, de todas às três pastas, a dele era a mais pesada. Leandro tinha as costas quentes e se envolvia com gente da alta cúpula, foi secretário jurídico do ex-prefeito da cidade e tinha vários contatos com os traficantes da região. Mas o que quase levou o advogado a ser preso foram algumas evidências de corrupção que o Coruja conseguiu reunir ao longo de 8 meses de vigília, porém antes de qualquer abordagem policial, o advogado sofreu um grave acidente de carro e morreu antes de ser interrogado pelas acusações feitas pelo informante.

Após o acidente a perícia conseguiu colher algumas informações interessantes. Não se sabe como, mas Leandro descobriu estar sendo vigiado pelo Coruja, inclusive conseguiu a verdadeira identidade dele. Ao que tudo indicava, o advogado estava seguindo para a residência do Coruja na noite do acidente e tinha no porta luvas um revólver carregado. No entanto, o que mais intrigava os investigadores era a postura que o advogado tomou. Por que um homem tão influente o quisera silenciar ao invés de enviar alguma outra pessoa para o serviço?

Ricardo encarou por um tempo a sala vazia do outro lado do espelho falso, com se tentando buscar alguma resposta. A questão agora era a terceira pasta.

O terceiro caso não tinha nenhuma relação com os outros dois a princípio, foi uma fatalidade que ocorreu no mesmo dia do acidente do advogado. Paulo Correia, um traficante da região, tinha sido emboscado próximo de um armazém abandonado no distrito industrial. Paulo foi delatado por uma traficante rival, inclusive havia fortes evidências que este estava ligado a Leandro.

Segundo o relatório da perseguição, Paulo foi encurralado dentro de um prédio, ele agia estranhamente quando foi abordado e fazia declarações sem sentido, dizendo não se lembrar do que tinha feito e perguntava quanto tempo havia se passado. Ele queixava-se de dores na cabeça e após um grito insano, Paulo apontou a arma para os oficiais, porém um policial disparou primeiro em um ato de legítima defesa. No chão, Paulo disse apenas duas coisas antes de falecer:

“Não foi isso o que eu desejei… Eu fui enganado.”

Paulo não apresentava nenhuma ligação com os grandes traficantes da cidade, nem com o advogado e muito menos com o Coruja. No entanto, foram encontradas duas ligações em seu celular naquele dia, uma para o advogado Leandro e outra para um número que estava no nome de Fernando Carlos Ribeiro.

O investigador chegou à conclusão que Paulo trabalhava para o Coruja, ele aparentemente vigiava o advogado para o informante enquanto este estava ocupado com outras coisas. A teoria era que Paulo estava extorquindo o advogado para não revelar as informações ao informante.

Porém, essa teoria não convenceu o detetive, pois ainda havia pontas soltas. Por que, o traficante não tinha nenhuma quantia após extorquir o advogado? Por que, o advogado tomou uma atitude desesperada para tentar matar o informante? E por que, o Coruja continuava desaparecido sendo que as únicas pessoas que conheciam sua identidade era (além de alguns policiais) o advogado e o traficante?

Outro detalhe importante que o detetive ressaltava era a diminuição das atividades dos grandes traficantes da cidade depois das mortes do advogado e de Paulo.

Ricardo continuava revirando as pastas em meio a tempestade que caia do lado de fora da delegacia. O detetive procurava uma informação mais antiga, sobre um evento que ele participou. Foi uma ocasião especial onde um artista mundialmente famoso iria receber um prêmio especial da cidade, reconhecendo o talento e todas as suas conquistas. Ricardo se encontrou com o Coruja por um breve momento no local da cerimônia e lembrava-se também da presença de Leandro, pois o advogado havia recebido uma homenagem no mesmo evento. Mas o que chamou a atenção do detetive foi uma foto publicada no site do Jornal da Cidade naquela manhã a respeito do evento. Na imagem era possível ver Paulo sentado na primeira fileira junto com outros convidados. “O que os três estariam fazendo lá?” Se perguntou o detetive ao fazer a conexão dos fatos.

Mas para a decepção de Ricardo, nenhuma das pastas continha um relato sobre a cerimônia. A solução era esperar que a internet voltasse para continuar sua pesquisa a respeito daquela ocasião.

Em meio a tantas teorias, Ricardo começou sentiu a sala esfriar. Ricardo não sabia há quanto tempo esteva ali, mas o vidro do espelho falso estava completamente embaçado, já não era possível ver a sala do outro lado. O detetive se levantou e foi em direção ao espelho. As luzes que eram fornecidas pelo gerador emergência foram apagadas depois do estrondo de um trovão. Apesar do susto, Ricardo conseguiu manter a calma, mas o som que escutou a seguir fez sua espinha congelar. Era um som úmido que variava entre grave e agudo, como se alguma coisa se arrastasse pelo espelho.

Um pouco mais apreensivo, Ricardo se aproximou do espelho falso, mesmo sem enxergar nada e num baque as luzes acenderam.

Apesar de ser o terceiro susto que o detetive tomava naquele instante o que ele viu escrito no espelho embaçado o deixou paralisado.

“?ajesed êcov euq O”

Continua…

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