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Um Destilado Qualquer

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Eu estava prestes a acertar as contas com uma certa pessoa, mas um contratempo me tirou da trajetória inevitável da minha tão almejada vingança. Admito que o método era exagerado, mas a oportunidade surgiu e me dei ao luxo de aceitá-la. Não sou do tipo que se arrepende com facilidade e talvez isso justificou meu comportamento.

Eu imaginava a face arrependida de Augusto, cuja humilhação me colocou em uma posição rebaixada, indigna para uma pessoa do meu caráter. Ainda mais eu, que venho de uma família tão abastada. Mal, o fiz no passado, admito, mas não daquela forma da qual Augusto me humilhou. Mas não tinha mais volta, Augusto merecia sofrer a minha cólera.

O carnaval foi uma época oportuna para um desaparecimento ocasional. Eu estava indo ao encontro de Augusto quando fui abordado por nossos amigos em comum. Eles insistiam para que eu fosse a uma festa e vi naquele momento uma oportunidade. Por mais que me atrasasse, a festa seria um álibi perfeito, bastava dizer que fiquei na festa a noite toda que nenhum daqueles bêbados iriam notar a minha saída.

Ainda era cedo, não mais que oito horas da noite quando meu cúmplice me ligou. Ele estava preocupado por eu não ter aparecido para ajudá-lo a cavar o buraco, mas por sorte ele havia feito o trabalho pesado sem a minha ajuda. Disse a ele estava em uma festa de e que iria usar isso de álibi e que em pouco tempo iria me encontrar com Augusto. Ele concordou e me alertou que deixaria a pá e a corda no carro próximo do local que eu escolhi conforme eu ordenei para concretizar a minha vingança.

Carlos, o idiota que me ajudava, era estagiário na empresa do meu pai. Nós estudávamos juntos e, apesar dele não ser nenhum gênio, era leal e tinha motivos para se vingar de Augusto também. Foi fácil convencê-lo a me ajudar, já que ele não tinha ideia do quão longe eu estava disposto a ir com aquilo.

Durante a festa, eu fiz para não beber, mas isso chamou a atenção dos meus amigos. E para não levantar suspeitas eu decidi tomar uma bebida que eles tinham me oferecido, uma mistura feita com whisky e outro destilado qualquer. Eu tomei e comecei a me fingir de ébrio, todos estavam tão bêbados que nem notariam a diferença.

A hora da minha vingança se aproximava, eu precisava me encontrar com Augusto, então me afastei das pessoas sem chamar atenção. Não sei se era a adrenalina que corria pelo meu sangue, mas senti-me elétrico, pronto para qualquer coisa. Era uma agitação boa, eu estava alucinado, correndo de um lado para o outro, enquanto o teto se misturava ao chão, e as pessoas me circulavam… Sentia como se estivesse navegando por um mar de pessoas que ondulavam como uma metamorfose inexplicável, onde a perspectiva embaralhava-se tal qual um quadro cubista de Picasso… Então, um peso foi atirado sobre meu peito e vi o rosto de Augusto. Me olhando de cima ele disse:

— Finalmente está voltando a si. Isso é bom, não quero que perca nada.

Lá do alto, Augusto e os meus amigos estavam em um lugar mal iluminado enquanto eu estava num breu total, com as minhas mãos e pés amarrados. Todos eles empurravam torrões de terras com os pés para o buraco, enquanto Augusto usava a pá. Ofegante, ele disse:

— Eu sei que esse buraco era para mim, mas para te mostrar um pouco de humildade, eu decidi deixá-lo todo para você. Espero que desfrute disso como se fosse eu aí em baixo.

Sem piedade, eles atiravam mais e mais terra para o buraco e eu me debatendo inutilmente sem forças para gritar enquanto era enterrado junto com a minha vingança.

Aquela foi uma péssima maneira de descobrir que todos me odiavam.

Fim.

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