Introdução: O mundo já não é mais o mesmo. Durante anos, países fecharam suas fronteiras com medo de grupos terroristas. A segregação inflou a intolerância que se tornou cada vez mais evidente. Manifestos racistas, sem sentido, tomaram todas as regiões do mundo e conflitos cada vez mais violentos cresceram em proporções assustadoras.
Tudo isso culminou em ataques de grupos extremistas que queriam impor sua supremacia sobre outras religiões, culturas e sociedades. Ninguém sabe ao certo quem começou os ataques, mas as explosões dos arsenais nucleares ao redor do mundo mudaram a superfície do planeta. Por meses o mundo ficou em chamas e a fumaça junta com a radiação se espalhou por todo globo em altitudes estratosféricas. O inverno nucelar, antes teorizado por cientistas na Guerra Fria tornou-se realidade.
Mais da metade da humanidade deixou de existir durante o incidente nuclear, e os poucos que sobreviveram começaram a definhar nos anos sóbrios que se seguiam. Com poucos recursos e conhecimentos, a população que antes tinha tantas facilidades não conseguiu se adaptar a mudança repentina.
Depois 5 anos, desde as explosões, a espessa camada de fumaça começou a dissipar, e com ressurgimento do dia veio a revelação da nova face congelada do globo terrestre. Nesse momento um grupo de sobreviventes começaram uma jornada rumo ao sul em busca de terras quentes para dar vida a uma gélida e cruel realidade. Pois, com a volta do amanhecer, a humanidade foi considerada extinta. Agora são os habitantes das trevas que disputam pela predominância do mundo.
Uma tempestade de neve atingiu os grupos de caçadores que faziam o reconhecimento de uma nova área a ser catalogada, o que atrasou o reagrupamento com a comitiva que seguia para o sul, onde um dia foi a América Latina. Para cada nova área que a comitiva se acomodava, três grupos de caçadores eram formados para investigar a região. Os caçadores se dividiam em duplas para missões específicas. Era o caso de Liam e Dimitri que encontraram estranhos rastros, provavelmente de sobreviventes ou de algo muito pior.
Apesar de terem perdido um dia de exploração por conta da tempestade, Liam agradeceu por ter a oportunidade de um descanso mais que merecido — mesmo estando isolado naquele frio intenso. Ele e seu colega de caçada encontram os destroços de um antigo posto de gasolina. Por sorte, ao explorarem aquele abrigo improvisado, eles encontraram duas garrafas de querosene próximo a um cadáver. O corpo era esquelético e estava quase irreconhecível, provavelmente um ser humano que sobreviveu a catástrofe, mas definhou de fome naquele local.
Eles usaram um pouco da madeira que tinham recolhido durante a caçada. E por mais arriscado que fosse, eles decidiram acender uma fogueira para se aquecerem do frio invernal que fazia todas as noites.
— O cheiro desse querosene é muito forte, meu nariz vai ficar inutilizado — reclamou Liam.
— Vai por mim, o cheiro da sua roupa é bem pior — riu Dimitri. — E o que você pensa que vai farejar no meio desta tempestade? Você acha mesmo que vamos encontrar o dono daqueles rastros? Eles já devem estar a pelo menos dois dias na nossa frente.
— Eu sei. Mas o que me preocupa é estarmos perto de algum tipo de acampamento. Você acha que podem ser eles?
— Você está ficando obcecado desde que viu aquele comboio há meses. Até hoje tenho minhas dúvidas se você realmente viu o que disse que viu — reclamou Dimitri se ajeitando em um canto –. Agora esquece isso e faça a sua vigia, estou muito cansado. E só me chama quando for meu turno — completou bocejando.
Fazia pouco mais de um ano que uma comitiva saiu da base principal dos caçadores, próxima da fronteira dos Estados Unidos com o Canadá em direção ao sul. O propósito dessa missão era chegar a antigas regiões tropicais da América Latina. Eles tinham a esperança de encontrar um clima menos hostil e mais quentes para uma nova base, além de buscar por mais recursos. Porém, durante um reconhecimento, Liam se deparou com um comboio de veículos, que pareciam mais pedaços de sucatas remendadas do que propriamente carros. Os veículos seguiam para a mesma direção que a comitiva. Apesar dos rastros deixados na neve, ninguém, além de Liam, os avistou.
Os caçadores dependiam apenas das pernas para se locomover e apesar de serem bons rastreadores, eles não conseguiram acompanhar as marcas deixadas pelo comboio. Além disso, as tempestades de neve ficavam mais frequentes a cada dia e em poucos meses não havia mais sinais dos veículos.
Apesar das preocupações de Liam com as marcas encontradas durante a manhã, que poderiam ser um sinal do comboio, a fogueira foi um diferencial nessa noite. Mesmo vestido com aqueles trapos quentes — um vasto remendo de casacos de algodão e lã —, as noites da nova era glacial conseguiam congelar até os ossos.
Liam não esperou nem um segundo a mais para trocar de turno com o seu companheiro, que levantou com ranço nos olhos. O que importava para ele naquele momento era conseguir recuperar as forças e aproveitar o calor das chamas.
No dia seguinte, o caçador acordou sentindo aquele frio insano que mataria qualquer ser-humano despreparado. A fogueira estava apagada e Dimitri, logo a frente, escondido entre os escombros do posto, espiava adiante pela lente de seu rifle.
— Parece que você estava certo — disse Dimitri enquanto mastigava algo. — Se arruma e vamos investigar mais de perto aquele comboio — em seguida, Dimitri estendeu sua faca para Liam. Na ponta dela estava uma enorme barata atravessada sem metade do corpo — Café da manhã?
Trezentos metros à frente do posto, em uma avenida, três veículos estavam parados diante de postes caídos bloqueando o caminho. Todos os carros tinham as mesmas características, uma cor de ferrugem bem escura além de diversos remendos para lataria. Um se parecia com uma picape, os outros dois pareciam ambulâncias. Não era nem a metade dos carros que compunham o comboio testemunhado por Liam.
Os caçadores se aproximaram com muita cautela. Através da lente do rifle, Dimitri conseguiu ver algumas pessoas com grandes casacos pretos de inverno saírem dos veículos, todas cobriam o rosto com cachecóis, óculos de esqui e um espesso capuz.
— Você acha mesmo que são… — começou a falar Liam, mas foi abruptamente interrompido por Dimitri que queria se aproximar.
Os caçadores afastaram-se do posto, presumindo que aquelas pessoas procuravam por combustível. Eles procuraram um lugar seguro e próximo do comboio para vigiar. Mesmo depois de horas espionando, nada de relevante foi notado. A única coisa que os intrigavam eram aqueles veículos. Como eles os mantinham em boas condições com tão poucos recursos no mundo?
— Parece que eles vão partir. Liam, vá marcar o local para os outros nos encontrarem.
— Você realmente quer segui-los, Dimi?
— Não é hora de discutir, eu estou no comando aqui. Vai fazer o que eu te disse!
Liam afastou-se com cuidado para deixar um rastro que qualquer membro da comitiva pudesse identificar, mas antes que tivesse a chance de terminar de marcar o local, ele viu Dimitri, desarmado indo em direção ao comboio.
— Olha só o que eu encontrei por aqui — disse Dimitri caminhando em direção ao comboio com os braços abertos em sinal de paz, mas, ao mesmo tempo provocativo.
Antes que pudesse falar mais alguma coisa, uma daquelas pessoas vestidas de preto — o maior de todos — se moveu tão rápido que Dimitri nem percebeu o violento soco recebido na cara que o desacordou em instante.
— Será que deve ter mais deles por aqui?
— Não sei — disse o homem que atacou Dimitri. Mas eu estou faminto.
O enorme homem se inclinou para a frente e puxa o cachecol que cobria a boca, expôs suas presas naquele ar gélido e mordeu o pescoço do caçador.
Sem pensar, Liam correu e pegou o rifle abandonado por Dimitri. Por instinto, ele começou a disparar sem mirar direito. E, mesmo sem precisão, ele conseguiu atingir um tiro de sorte no ombro do grande homem que mordeu seu companheiro. Porém, antes que pudesse fazer novos disparos, aquelas pessoas entram nos veículos e partiram junto com o caçador desacordado.
Continua…
Artista: