Lua de sangue
A luz do isqueiro se apagou. O som de carne e ossos se remexendo misturaram-se com a respiração ofegante do caçador. Sangue, dor e destruição passavam pela mente de Liam. Vida e morte se confundiam naquele momento que era tão longo quanto um segundo de agonia. No meio da noite, um som monstruoso ecoou pela cidade.
Liam acordou sobre um chão duro sentido a sujeira de resíduos de construção ferrolhando o seu corpo. Tudo estava embaçado, a cabeça latejava e os sentidos se embaralhavam. Quando recobrou o juízo, ele se levantou num susto, mas antes que conseguisse se colocar de pé, aquele frio mortal começou a tomá-lo, pois o caçador se encontrava nu em uma das salas de aula daquela escola que tinha se abrigado anteriormente. Naquele estado, o frio o teria matado se não fosse por uma mão amiga que o cobriu com um espeço cobertor feito com pelos de lobos.
Era manhã e diante de Liam estava uma garota mirrada, pálida e com longos cabelos negros. Ela lhe entregou uma caneca de metal amassada com um líquido fumegante. O caçador pegou a caneca e rapidamente bebeu o seu conteúdo sem se importar de queimar a boca. Ele sabia que se não bebesse logo poderia morrer congelado. A garota sorriu aliviada ao ver Liam acordado.
— Desculpe, mas foi o que eu consegui costurar — cochichou a garota ao lhe entregar um casaco mal remendado.
— Por que está falando baixo Penélope? — cochichou Liam.
Penélope apontou para a janela, Liam nem precisou olhar para entender. O murmúrio dos carniceiros revelou a situação em que eles se encontravam. O caçador suspirou fundo e voltou a encarar a menina.
— Descansa um pouco, eu já volto — cochichou a menina antes de sair da sala.
— Espera, aonde você vai? O que aconteceu? — falou Liam tentando manter o tom de voz baixo enquanto falava, mas a menina já havia saído com a mochila e o rifle.
Liam vestiu o casaco e ficou enrolado no cobertor. Ele reparou, no canto da sala, que havia uma pequena fogueira improvisada com uma panela em cima. O caçador pegou sua caneca de metal retorcido e foi até lá, se serviu de mais um pouco daquele líquido fumegante e se sentou próximo ao fogo quase extinto. Desta vez ele tomou a bebida com mais cuidado.
Poucas horas depois Penélope voltou com uma trouxa de roupas.
— Veja se alguma coisa aqui serve em você — disse ela.
— O que aconteceu ontem à noite e por que você não está com a Helena? — disse Liam enquanto se vestia.
— Ontem — disse Penélope com uma breve pausa. — Ontem você esteve dormindo aqui…
— O que!?
Penélope colocou o dedo na frente da boca para que Liam falasse mais baixo.
— Desculpe — cochichou Liam — Me conte tudo.
Penélope pegou um pouco da bebida, sentou-se em frente a Liam e começou a falar.
“No dia da tempestade, nós vimos o comboio que você relatou para a comitiva. Pensei que Helena iria querer voltar para avisar o grupo, mas ela viu algo naqueles carros e quis investigar. Tentei pará-la, mas você sabe com ela é. Eu fiz o que pude, mas foi tudo rápido demais e eles a sequestraram.”
“Segui o comboio, mas me perdi no meio do caminho até sentir o seu cheiro. Tentei chegar perto, mas tinha muito carniceiro na região. Eu te segui de longe até esta escola, mas quando tentei me aproximar, você saiu correndo atraindo os carniceiros para aquele galpão. Eu te perdi de vista e pensei que você tivesse entrado lá, mas quando eu vi as marcas de carros na entrada e entendi que o comboio estava ali dentro.”
“Tentei te procurar pela cidade, mas não o encontrei. Quando estava anoitecendo eu juntei alguns suprimentos e pensei em voltar aqui, foi quando eu escutei o uivo. Eu corri até o galpão e vi você transformado tentando fugir do vampiro. Ele te deu um golpe muito forte e por sorte te arremessou perto de mim. Você deve ter dado muito trabalho para aquele sanguessuga desistir de te procurar.”
Liam olhou para o ombro que foi perfurado pela haste, apesar da dor incomoda, o ferimento já estava cicatrizado. Após uma pausa Penélope continuou:
— Isso chamou muito a atenção dos carniceiros e eu aproveitei para te resgatar. Foi difícil te carregar, a sua transformação estava aberrante e seu corpo estava fervendo. Você sabe como é perigoso quando nos transformamos fora da lua cheia.
Liam ignorou o alerta da companheira e disse exaltado:
— E o comboio? Os vampiros ainda estão no galpão?
— Fala baixo — cochichou Penélope irritada. — Sim, eles ainda estão lá. Os vampiros tentaram matar os carniceiros, mas são muitos, acho que não vão conseguir sair de lá por algum tempo.
Os olhos de Liam se acenderam e um leve sorriso brotou em seus lábios. Porém, foi um sorriso sádico aos olhos de Penélope. Ela o encarou irritada e disse:
— Onde está Dimitri e o que está havendo?
— Seja lá o que Helena viu, Dimitri viu também e foi capturado — o caçador fez uma pausa. — A minha transformação naquela noite foi involuntária, eu estava prestes a morrer.
Liam colocou a mão novamente sobre o ferimento cicatrizado no ombro, olhou para a janela e depois para a jovem caçadora.
— Vamos, precisamos nos preparar para revidar, esta noite terá lua cheia.
Continua…